Rodrigo Pimentel.

Dez anos depois de o filme Tropa de Elite retratar a guerra entre a polícia e o crime organizado no Rio de Janeiro, a missão do ex-oficial do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) Rodrigo Pimentel é outra. Mas o alvo do principal inspirador do personagem Capitão Nascimento continua o mesmo: a situação da segurança pública. Desde que saiu da corporação, em 2001, ele escreveu o livro Elite da Tropa, engatou carreira como palestrante e foi comentarista da área na rede Globo. Atualmente, trabalha em um roteiro de ação sobre o que chama de “derrocada” das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) nas comunidades cariocas com o cineasta Roberto Santucci (da comédia O Candidato Honesto). Também está colaborando com o diretor José Padilha — parceiro em Tropa de Elite — na série O Mecanismo, a respeito dos meandros da corrupção denunciados pela Operação Lava-Jato. Dividida em oito episódios, a história está prevista para estrear na Netflix em 2018 e “vai mais fundo, trazendo o STF e os partidos políticos para dentro do rolo”, conforme adianta Pimentel na entrevista a seguir.


Rodrigo Pimentel e comandante Lucca gravam nova série sobre segurança pública. Crédito: TV Globo / João Cotta
Foto: João Cotta / TV Globo/Divulgação

O que está certo na segurança pública de um país onde foram mortas sete pessoas por hora, como no Brasil em 2016, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública?
Olha, São Paulo parece estar num bom caminho. Lá, havia 26 homicídios para 100 mil habitantes na década de 1980 e hoje há 9,8. Evidente que também tem violência, PCC, mas é a única das grandes capitais brasileiras onde houve efetiva redução desses índices.

Então Santa Catarina, que enfrenta uma guerra entre facções, deve se inspirar em São Paulo, onde apenas uma delas atua com força?
O perfil de homicídio no Brasil é entre 22h e 2h, de 16 a 24 anos, entre 50 a 100 metros de um bar ou ponto de venda de drogas. Se pelo menos 70% dos homicídios têm essa dinâmica e há uma facção hegemônica que consegue estabelecer a paz, sem disputa territorial, a resposta é sim. Ajuda bastante. Mas não podemos atribuir a redução dos índices em São Paulo ao predomínio de uma facção. Foi o Estado que mais investiu em cadeias e onde os juízes aplicam as maiores penas do país. A impressão é de que existe uma mobilização maior da sociedade paulista, com governo, Judiciário, mídia, para enfrentar esse problema.

Ainda segundo o anuário, os governos gastaram 2,6% a menos com políticas de segurança pública em 2016. O dinheiro que restou está sendo bem aplicado?
Nem sempre aumento do investimento em segurança implica em redução do crime. O dinheiro às vezes é aplicado de forma equivocada. Para os Jogos Panamericanos do Rio de Janeiro, em 2007, foram comprados computadores para viaturas que nunca foram instalados, equipamentos de comunicação que não funcionavam, helicópteros que não voavam, caminhões gigantescos de comando e controle que nunca foram usados. Dinheiro jogado fora sem escutar o policial que está lá na ponta. Porque lá precisa do básico: papel para os autos de prisão em flagrante, toner para a impressora, combustível para a viatura, salário em dia, munição, dinheiro para treinamento e capacitação. Normalmente, os gestores não atendem o básico e querem comprar um negócio mirabolante.

O que o senhor acha das UPPs implantadas no Rio de Janeiro? Deveriam ser replicadas em outros Estados?
As UPPs eram, com certeza, o mais importante projeto de segurança pública que o país teve nos últimos 30 anos. Esse projeto reelegeu o (Sérgio) Cabral e elegeu o (Luiz Fernando) Pezão ao governo do Estado. Cada inauguração era transmitida ao vivo pela TV, fazia parte do sonho olímpico, foi abraçado pela cidade e pela imprensa. Eis que começa a dar errado. O que era uma solução, tornou-se um problema — para a polícia, para as comunidades, para a cidade. O fato de a favela estar ocupada pela polícia gera confronto, guerra, bala perdida. Então aquele sonho do Cabral e do (secretário de Segurança Pública do governo Cabral, José Mariano) Beltrame, que era colocar o policial na favela e, com isso, trazer a paz, acabar com a ocupação territorial do tráfico, com os homicídios, com a criança acordando de manhã e vendo na porta de casa um bandido com fuzil, foi para o ralo, não existe mais.

Por que deu errado?
Confesso que era um dos maiores entusiastas, senão o maior, das UPPs. No início, a PM ocupava uma favela e, sete, oito meses depois, os índices de violência e os homicídios tinham caído a zero. Como é que não vou aplaudir um projeto onde depois que ele é estabelecido fica seis anos sem ninguém ser morto? Aí vinha aquele papo: ‘Ah, mas o tráfico continua existindo.’ P*, onde você tem gente disposta a consumir cocaína, vai ter gente disposta a vender! A UPP nunca foi anunciada como o fim do tráfico, e sim como o fim do domínio territorial armado do tráfico. O tráfico vai existir, mas você vai andar nas ruas, nas vielas e nos becos e não vai ter mais ninguém apontando fuzil. Ocorre que, depois de três anos, o tráfico começa a voltar devagarzinho, testando a polícia.

Recentemente o ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que o comando da PM do Rio de Janeiro é sócio do crime organizado. Não era disso que Tropa de Elite já falava?
A declaração do ministro seria muito precisa se ocorresse há 10 anos. De fato, a escolha de coronéis no Rio de Janeiro era feita por critérios políticos. Os comandantes dos batalhões eram indicados por deputados estaduais. Na Assembleia Legislativa (Alerj) nós tínhamos deputados envolvidos com atividades milicianas. Mas justiça seja feita: o maior legado do Beltrame é a despolitização da Segurança Pública. Não temos mais coronéis indicados por deputados, a Alerj não indica mais comandante de batalhão, nem delegado. Nós tivemos, com o governo Cabral — não tenho a menor admiração por ele, quero mais é que fique preso por muito tempo —, vereadores e deputados presos por envolvimento com atividades milicianas. E todos eram da base aliada do governo!

O ministro também disse que uma solução mais efetiva só poderá ocorrer no próximo governo, em 2019. Até lá, como faz?
Até lá, o carioca está f*! O que o ministro falou impossibilita as articulações das forças federais com as estaduais. Como é que depois disso coronéis e o secretário de Segurança Pública vão se reunir com delegados federais, com oficiais do Exército para traçar qualquer plano em conjunto? As corregedorias da polícia estão funcionando e nunca prenderam tanto. E as ações repressivas em favelas estão ocorrendo também. A polícia do Rio de Janeiro, apesar da crise, da falta de viaturas, do salário atrasado, está quebrando todos os recordes de produtividade.

Medir o desempenho da polícia por produtividade não estimula um certo furor repressivo para atingir as metas?
A questão é outra: isso está gerando algum efeito? Não. Os números da violência estão aumentando, houve alta de 7,25% em homicídios (em setembro, na comparação com o mesmo mês do ano passado) e 25% em roubo de carros. A polícia mede a produtividade, mas não significa que isso vá implicar em efetividade. Existe um papo da esquerda de que cadeia não resolve. O Estado que mais prende no Brasil é São Paulo. E é o Estado que apresenta os maiores níveis de redução de criminalidade. O país que mais prende no mundo são os Estados Unidos – onde estão havendo os maiores níveis de redução de criminalidade. Então como é que cadeia não resolve? Resolve pra c*! É de um romantismo, de uma ingenuidade falar que ‘cadeia não ressocializa ninguém’... Meu amigo, cadeia não serve para ressocializar, serve para neutralizar, reinserir e punir. A cadeia moderna tem três missões distintas. A primeira é punição, o cara que cometeu o crime tem que ser punido, tem que ficar preso longe da família, longe da praia, longe da rua. A segunda é neutralizar, para que ele pare de continuar fazendo aquilo. E a terceira é a reinserção do cara na sociedade. Só que é evidente que ela não consegue cumprir essas funções. Não neutraliza porque de dentro da cadeira os bandidos coordenam crimes e rebeliões. Reinserir também é muito difícil. Acaba apenas punindo, mesmo.

Bandido bom é bandido morto?
Bandido bom é bandido preso, isolado, punido e, se possível e for da vontade do próprio, reintegrado.

Do que a polícia precisa para ter atuação mais efetiva?
Hoje, eu tenho certeza de que a polícia precisa de um arcabouço jurídico melhor do que o existente. A polícia, não; a sociedade. A questão que a mídia deveria bater é: a média de tempo que um bandido que cometeu crime violento fica preso não chega a dois anos. Isso é vergonhoso.

É a história de que “a polícia prende e a Justiça solta”?
Não é o juiz que solta, é a legislação. Em 2014, eu ainda trabalhava na Globo (saiu em 2015) e teve uma explosão de roubo de carros em Niterói (RJ). A PM conseguiu prender os ladrões em flagrante. O coronel de lá ligou para mim e disse: ‘Pimentel, não aguento mais! Todos os caras que eu prendo, eu já prendi!’ E aí entra a audiência de custódia, a gente não entende se para zelar pelas garantias individuais do preso ou para esvaziar o presídio.

Dez anos depois, qual o legado de Tropa de Elite na discussão sobre a segurança pública no Brasil?
O filme é muito a cara do Rio de Janeiro. Tanto é que era exibido em outros Estados e as pessoas não acreditavam. Mas no Rio de Janeiro foi devastador. Vi o Cabral dizendo que teria consertado as maiores denúncias feitas pelo filme: ‘Operação policial em favela – criei as UPPs. Oficina mecânica em batalhão – estou alugando viaturas. Politização da Segurança Pública – proibi deputado de indicar comandante de batalhão.’ Eu visitava alguns Estados e os colegas vinham me dizer que tinham visto na TV que milícia era uma coisa legal. Eu respondia: ‘Não, milícias são bando de assassinos controlados por algum político, que domina um território, que manda matar, não tem nada de bom! Milícia é uma merda, bom é o Estado!’ O miliciano expulsa o traficante e começa a explorar o morador, a cobrar ‘taxa de proteção’.

É no “coração do sistema” em Brasília que começa o problema, como o final do segundo filme sugere?
Quando vi o ministro Torquato dizendo que o crime organizado tomou conta do Rio de Janeiro me deu vontade de perguntar: ‘P*, você pertence ao governo mais corrupto da história deste país e está falando do Rio de Janeiro?!’ É lógico que o problema começa em Brasília — e está sendo combatido pela Polícia Federal (PF). Sou fã incondicional da PF, acredito que a Lava-Jato aconteceu e aconteça em função da PF, não do Ministério Público.

A mesma PF que agora está tendo seus métodos questionados em Florianópolis por conta da operação Ouvidos Moucos, cujo resultado mais visível até agora foi o suicídio do ex-reitor da UFSC , Luiz Carlos Cancellier, após ser preso e afastado do cargo sob a acusação de estar obstruindo as investigações.

Acompanhei a morte do reitor, mas não estou bem a par do caso. Agora, eu posso manter uma pessoa investigada à frente de uma universidade? Não posso manter um policial investigado à frente de sua delegacia, um coronel investigado à frente de seu batalhão, porque seria diferente com um reitor? O brasileiro não está acostumado a ver gente de classe média, branca e bonita sendo presa. Quando a polícia prende preto e pobre em Santa Catarina não há nenhum tipo de indignação, né? A prisão preventiva está prevista para três situações: preservação da ordem pública, garantia da aplicação da lei penal ou para evitar a obstrução das investigações.

Como reparar uma pessoa que foi presa preventivamente e, ao final das investigações, foi considerada inocente?
Esse é o ônus que a sociedade paga para tentar aplicar a lei. Acontece em qualquer sistema jurídico penal do mundo, pessoas são presas e soltas. Não é uma peculiaridade do Brasil.

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